sábado, 27 de dezembro de 2014

Como o mar calmo depois da tempestade

Estás sozinha.
Chegas a casa, e depositas os teus restos mortais na cama. Sabe bem.
Acendes o cigarro, prometes que é o último, e começas a sentir as lágrimas a escorrer pelo teu rosto. Sentes o frio, da noite fria, na tua pele fria. Tens a janela aberta, a lua a abraçar-te, o vento na cortina, e não te importas.
Sentes a almofada molhada das lágrimas que deitas, e tens a certeza que a noite vai ser longa, que o sono não virá, e que não é um pesadelo aquilo que vives.
Relembras cada palavra, cada gesto, cada erro que deste e voltarias a dar.
Relembras cada abraço e cada beijo. Cada toque e cada sorriso que houve, e que não haverá mais. E não entendes. Não te reconheces. Não és tu.
Foste feliz, admite.
Deixa de ser orgulhosa, e admite que há alguém que gosta de ti, que cuida de ti. Admite que és humana e que erras.
Egoísta.
Complicada.
"És um teste à minha paciência."
A frase ecoa nos teus ouvidos pela noite dentro. Nunca te sentiste tão abandonada.
Tens vontade de correr atrás dele. De o insultar. Dizer-lhe "basta", que não impões a tua presença a ninguém, muito menos a ele, que não queres ser um peso para ele.
"Magoas-me, mas olhas para mim com esses olhos e pego em ti ao colo mais uma vez."
Pensas em desistir.
"Sê normal, cresce!". Tens sido anormal, não humana. Não cresces. Estás parada no tempo, a aguardar o intervalo.
Pensas em desistir outra vez. De quê, não sabes.
Já foste feliz. Mas também já chegaste a casa, e pensaste em cometer uma loucura. Em virar o mundo do avesso, o teu mundo.
Já foste infeliz, Mas os teus olhos já brilharam, e o teu coração bateu mais forte quando o abraçaste naquela tarde de inverno, e ele disse que gostava de ti.

Sim, sou eu. Sou eu a precisar de ti.
Tenho vontade de te pedir que desistas. Estou a sentir-me a mais,
Chamas de "neurose" aquilo que eu chamo de dor.
Contei-te os meus segredos, e tu, em troca, apelidaste-os de "neuroses".
Lamento que não entendas.
Arrependo-me de te ter contado a minha vida, de te ter entregue a minha vida.
Quiseste insultar os meus fantasmas, mas brincaste com o fogo e eu é que me queimei, Quiseste espantar os meus demónios e lutar comigo para que vivesse.
Não pegues em mim de novo.

Um dia dei por mim a pedir-te para não desistires de mim. Mas foram demasiadas as palavras entretanto.
Pediste-me para ter cuidado com as palavras.
Terei.
Pediste-me para ser normal.
Não sabes como me magoaste. Senti-me presa numa cela de um manicómio. Mas afinal, até dizem que o mundo precisa de loucos, Loucos uns pelos outros.

Também sei ser distante. Também aprendi a ser fria com o passado, com a "neurose" como lhe chamas.
Não repitas.
Basta dizeres, e tudo isto desaparece.
"És um teste à minha paciência". A frase de novo. Não sabes como dói.
Não temas.
Voltará a ser tudo como se nada disto tivesse acontecido.
Isto tudo seria verdade, se não fosse o facto de amanhã me abraçares de novo.
Como o mar calmo depois de uma tempestade.