sábado, 29 de agosto de 2009

Os fantasmas da noite

Há pessoas estranhas durante a noite. Todo aquele secretismo que envolve-as ruas do Porto e que as mergulha numa escuridão quase desértica. Manequins aprisionadas em vidros. Para elas, a noite é igual ao dia. Olhos que vêm e não se mexem. Corpos que se descompõem. Talvez eu quisesse ser assim. E talvez, a noite não me fosse tão deliciosa e apaixonante. As luzes erguem-se ao alto, faíscas da miséria, que projectam sombras no chão imundo. O silêncio nunca mais chega e eu já me sinto a delirar. Os perigos espreitam e a noite torna-se cada vez mais aliciante.
A noite transforma-nos. Atira para a mágoa as pessoas mais sãs. Corrompe as almas mais puras fazendo delas criaturas sedentas de paixão.
Não há música porque a noite cria a sua própria sinfonia.

Continua...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A morta

Pássaros feridos caíram no chão, apodrecidos pelo vento que lhes rasgou as asas. Caíram com o sofrimento que tu, humano pobre e impuro, ofereceste àquela alma pura de amar e inocente da verdade que recusou a tua paixão envenenada. Quando a amada gritou, uma asa voou para longe do teu último beijo, amaldiçoado que estava pelas trevas que te cercaram; as flores secaram de tanto chorarem, e jamais se ouviu um riso como outrora. Roubaste-lhe tudo. Perfuraste lhe o ser, com palavras doces em que colocavas o teu próprio veneno, e hoje arrependes-te de teres ferido a tua princesa. Hoje o teu mundo cai na desgraça e apodreces junto da campa dela, rodeada de escuridão que o teu coração espalha.

O amante jamais saiu de perto da sua amada. Agarra-lhe a mão para que não saia de perto dele. Mas a amada, morta está. Pálido e frio, é o seu amor pelo amante, assim como pálido e frio é o corpo abandonado ao desamor vivido e à podridão que permanece debaixo de terra.

"The Dance", Within Temptation

sábado, 22 de agosto de 2009

O silêncio da noite II : ontem, hoje e amanhã

E aqui estou eu outra vez.
Desconheço quem sou e para onde vou. A escuridão total de uma noite quase cega. O vento que, de novo, brinca com os meus cabelos e os agita, numa noite quase muda. A lua, continua lá, sozinha, abraçando esse céu imenso que hoje é o meu guardião.
O que outrora fui, hoje comparo-o ás pedras que me rodeiam. Aparentemente inertes, nada têm para oferecer, seja a quem for, por isso se passa, se pisa, se ignora. O passado, está apenas lá escrito.
Mas nesta noite, em que desconheço quem sou, o passado não me atormentará.
E como noite que é, os amantes encontram-se de novo, trazendo consigo o mesmo sentimento, construído exactamente com a mesma dosagem de intensidade e veracidade. Aproximam-se e abandonam-se nesta deliciosa magia, que parecia querer rebentar com o batimento vital deste amor excessivo. Os seus olhares prendem-se formando um só. Vão falando com a voz da sua alma, ouvem, sentem o amo que lhes foi deixado.
E a música de novo, pára.
É o regressar de mais um dia; o amanhã transforma-se no hoje, e de repente tudo deixa de existir.

"Clair de Lune", Debussy


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Glória

Passaram horas, dias e noites
Os anjos desistiram de mim,
Foram-se embora, partiram
E eu nunca mais chorei por ti


As lágrimas secaram
E o olhar turvou-se de medo.
Estou assim, no chão caída
Estou assim, amando-te em segredo


E se de mim soubesses
Onde quer que eu esteja,
Correrias, ficarias sóbrio
Mas tu não queres que eu te veja.


A verdade caiu na desgraça,
E tu, intimamente mentiste
Contaste ilusões, farsas e mistérios
Até que um dia, de vergonha, caíste.

O silêncio da noite

Uma hora.
O tempo passa, o dia vai escurecendo os pensamentos com que iluminei o meu amanhecer. Ao longe, o ruído de um dia que finalmente termina. O crepúsculo. O regressar das criaturas aos mais íntimos esconderijos da noite. As estrelas saem para a rua, timidamente, acompanhadas da sua rainha da escuridão, a lua, que hoje abraça um céu imenso.
Nada há de mais fantástico do que o cair da noite, quanto tudo pára. Quando as cordas que nos fazem mover, se partem e aguardam conserto.
É de noite que tudo muda.
Diferentes sombras projectam a alegria da noite.
A música esvoaça pelo ar.
O piano tocado docemente por mãos calejadas de dor, a dor que vai na alma.
O ribombar dos trovões forma a sua própria sinfonia.
E a parte mais bela de tudo isto: o luar imenso, onde uma simples vela se torna insignificante.
O bater do coração. O único som que consigo decifrar, que me transmite vida.
O silêncio, quebrado por um ruído que é como um punho que trespassa seda, vidro que se encontra com o chão e se estilhaça.
É de noite que os amantes se unem sem pudor. É de noite que os corpos sedentos de paixão, se envolvem, ao som de partituras tocadas depressa, acompanhadas de um grito. E de novo, o silêncio.
A fotografia perfeita da vida; o cair de um dia como chuva que facilmente molha os meus sonhos.


"Clair de Lune", Debussy

domingo, 9 de agosto de 2009

"A quiet mind"

Há por vezes, pequenos momentos de felicidade, eternas alegrias, mas também medos e mágoas por esquecer. Há de tudo um pouco.
Há momentos em que me apetece fugir, e outros em que apenas quero viver o mais possível, apesar de o tempo não deixar. Mas eu e o tempo já não falámos.
O amor é subjectivo.
Prioritário é gostar de nós e não dos outros.
Amar e perdoar são duas coisas que convivem lado a lado.
Já amei, mas de nada serve perdoar.
Já magoei, e hoje não me arrependo de tal.
Imagino-me sempre a passear por terras desconhecidas envoltas em mistérios e segredos. Sou alma que passa, vê e parte, e tu estás sempre no meu sonho.
É verdade. Não somos ninguém aos olhos dos outros, e por vezes nada representamos para nós próprios. E é nesse nada, que surgem as decepções e desilusões. É nesse nada que cometemos erros por nós próprios.
Como sempre, o passado amaldiçoa o que vivemos hoje. Tornámo-nos fantasmas, vagabundos da noite, sombras em noites de lua cheia.
Não passa de um sonho.